Lembranças... Memórias... Recordações...
Algumas destas são alegrias atemporais e me fazem
sorrir despretensiosamente. Ironicamente, outras tantas, persistem em eternizar
no meu coração o pesadelo de não poder mudar o passado. Quisera eu ter o comando de minhas memórias e, então,
organiza-las e cataloga-las nas prateleiras da vida. Mas, lembranças são
indomáveis – não são domesticadas pela academicidade, nem são pacificadas pela
maturidade e não são adestradas pela racionalidade.
Lembranças selvagens! Desbravam as minhas cercas limitadoras e causam uma eufórica
confusão existencial, não respeitam os delicados recomeços que
desafortunadamente dependem do vazio para reconstruir novos passos. Memórias perversas! Despem as
minhas tristezas e invadem minha alma convidando-me a dançar, não reverenciam
as lágrimas que lavam os sorrisos escondidos tão inofensivamente encorajadores.
O tempo e a memória se enamoram no palco da história.
Quanto mais se aproximam mais o tempo mostra o quanto nossas memórias são
frágeis. Estas são relances de vida que pouco a pouco vão se desfazendo,
provando que o tempo, tristemente, sempre vence. Deste romance entre o tempo e as lembranças somos
severamente roubados de nossas recordações de infância, onde sorrisos não
precisavam ter causa, onde brincadeiras não precisavam ter lógica, onde estar
perto era o suficiente, onde palavras impronunciáveis traduziam esperanças,
onde sonos simbolizam paz, onde um olhar resplandecia segurança, onde rabiscos
eram belas obras de arte... oh! tempo maldito! O que fizeste destas minhas
pequenas lembranças? Onde as escondeu?
...sei que fomos felizes.
O tempo não foi capaz de construir suas próprias
lembranças, pois para recordar é preciso ter vivo, e não apenas ter tido tempo.
Talvez, por esta razão, tenha seduzido as lembranças dos viventes e roubado
destes o bem mais inestimável, as primícias recordáveis. Confesso que fiquei muito tempo tentando lembrar, mas
tenho que reconhecer, elas se foram... Nunca mais as encontrarei. Voltar agora
é infantilizar-se, tempo que não nos torna à infância. O que sobrou foram
apenas relances imaginários do que se foi. Oh! Tempo miserável! O que fizeste de minhas
primeiras memórias?
...sei que fomos felizes.
[por Vinicius Seabra | escrito no inverno de 2013]