A história ensina que as palavras ao longo
do tempo vão perdendo sentidos, e agregando
outros, fruto de valores extrínsecos que tendem a transformações etnológicas do
momento – tudo bem natural. Então, como não poderia ser diferente, o contexto
das vivências também interfere diretamente no significado das palavras
pronunciadas e nos significados absorvidos, gerando reações adversas (incertas)
num mundo relativista e com percepções individualistas.
A leitura de cenário do cotidiano da
existência urbana, que está em constate mutação, brinda a presente época com um
dualismo nada dialético entre o que é normal e o que é natural. Na busca por
definições, significados, sentidos e percepções interlineares no diálogo humano,
fazem-se necessário arrazoar entre o que é natural e o que se torna normal, na
construção do ser humano contemporâneo.
Natural ou normal – duas possibilidades
existenciais. No primeiro caminho, o natural, perpassa conceitos
do tipo: espontâneo, ingênito, peculiar, verdadeiro e simples. Contrariamente,
o atalho nomeado de normal tangencia algo do tipo: conforme à norma ou à regra
comum, que serve de regra, de modelo, algo habitual e ordinário. Ou seja, é bem
provável que se consiga ser normal, sem ser natural. Sendo o inverso igualmente
verdadeiro e possível. Seria preferível, ao menos desejável, que se viva na
atmosfera do natural, porém existir na redoma do normal é mais aceitável, pelo menos
para os padrões atuais.
No presente processo de modernização, de
gente citadina, o discurso é de aceitação da normalidade. Morte, destruição,
terror, violência, destruição, corrupção, desrespeito – tudo ficou tão normal
que nem mais gera reação nos espectadores da vida. Não é que perdemos a força
por lutar, é que tais mazelas se tornaram normais. Não é que tenhamos
desistido, é que fazemos parte dos horrores do cotidiano. E, não é que abafamos
a esperança, é que viver se tornou uma atitude normal.
Distante das normalidades, como que numa
resistência silenciosa, percebe-se aquilo que é natural. Amar, ajudar,
socorrer, ombrear, olhar, sentir, brincar, sorrir, parar, questionar, respirar,
desculpar – tudo tão inexplicavelmente natural que causa estranheza nas
rotineiras vidas artificiais. Nascemos com o dom da naturalidade, porém somos
adestrados para sermos normais. Neste processo despedagógico perde-se no percurso
o que é importante e faz-se agarrar àquilo que é urgente. Dali sustenta nossas
histórias que, enfim, se contenta em descolorir (desbotar) a naturalidade.
A bem da verdade, quase tudo o que fazemos hoje
se encaixa no âmbito das normalidades. Isto significa ter que admitir que a
sociedade atual apenas reproduz um padrão de conduta normal que vem passando
por um processo paradoxal de metamorfose intelectual e sentimental – uma
desconstrução inevitável do ridículo
natural. Isto é normal na história, mas indiscriminadamente não é natural. Por
esta razão, é normal não fazer o que é natural, pois naturalmente somos
normais.
[por Vinicius Seabra | escrito no outono de 2007]